quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Leitura do Mês: No País do Racismo Institucional

Publicada em 2013, a obra relata a trajetória de atuação do Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo do Ministério Público de Pernambuco.
Publicada em 2013, a obra relata a trajetória de atuação do Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo do Ministério Público de Pernambuco.

“Tenho um cargo comissionado, na Fundação de Cultura, no governo do Estado. Quando fui entregar minha documentação, uma mulher olhou para mim e falou algo como 'Por que é que lhe deram esse cargo? Que sorte, hein?'. Me incomodou porque percebi que ela julgou minha aparência. Tempos depois, fui passar pela entrada reservada apenas aos funcionários e o segurança fez uma cara quando eu disse que trabalhava lá. Falou: 'Não, você não é da casa. Pode dar a volta.' Chorei de tanta raiva”.
Na semana em que se celebra o Dia Nacional da Consciência Negra (a data 20 de novembro foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695), a seção Leitura do Mês traz a resenha do livro “No País do Racismo Institucional - Dez anos de ações do GT Racismo no MP-PE”, onde está registrado o depoimento acima, feito pela cantora pernambucana Isaar França.
Publicada em 2013, com 180 páginas e vasta bibliografia de consulta (54 referências), a obra relata a trajetória de atuação do Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo do Ministério Público de Pernambuco – GT Racismo.
O objetivo do trabalho, segundo a autora Fabiana Moraes, é compartilhar esta experiência de enfrentamento ao racismo, partindo de dentro para fora da instituição.
Surgido na década de 1960, por meio do Movimento Negro Norte-americano, o termo Racismo Institucional foi cunhado com o intuito de ampliar o conceito clássico de racismo, levando-o para além do escopo limitado do indivíduo. A partir dessa amplitude conceitual, a experiência do MP-PE busca provocar as instituições no sentido de se repensarem diante de sua seletividade racial em relação a indivíduos e grupos, seletividade essa que se reflete na demarcação de espaços e privilégios que desafiam o mito da democracia racial brasileira.
Dividida em cinco capítulos ― entre levantamentos históricos, pesquisas de dados estatísticos e mapeamento de trabalhos acadêmicos ―, a publicação aborda as relações entre racismo institucionalizado, justiça, políticas de Estado, saúde da população negra, terras quilombolas e terreiros, no sentido também de ampliar o olhar sobre as políticas públicas de segurança alimentar e nutricional dessas comunidades.
“A garantia do direito à propriedade das terras ocupadas pelas comunidades quilombolas decorre do fato de ser a terra elemento fundamental para sua manutenção. É dela retirada a fonte de renda e sustento dos quilombos rurais; foi nela que estabeleceram suas residências quando alijados dos centros urbanos para as áreas então ditas periféricas; foi nela enfim que se formaram os vínculos socioculturais que permitiram suas existências até os dias atuais”, ressalta a publicação.
“A discriminação, o ódio, a intolerância e a violência são atitudes que devem ser repudiadas pela sociedade, em nome do respeito à dignidade humana”, avalia o procurador de Justiça do Ministério Público de Pernambuco, Aguinaldo Fenelon de Barros. “Estamos trilhando o caminho certo, na medida em que reconhecemos o preconceito que existe e resiste na sociedade, um racismo silencioso que agora vem sendo enfrentado com ações afirmativas”, diz ele no documento. “Ninguém é melhor que ninguém por causa da cor da pele”.
Isaar França, a cantora pernambucana cujo relato inicia este texto, ratifica. “Cheguei a ser contra o regime de cotas, mas hoje percebo que não dá pra esperar melhoras no ensino público. A dor, quando é muito grande, precisa sim de um paliativo. Porque as pessoas precisam parar de achar que ser negro é um castigo, que a África ou o Haiti são amaldiçoados. Conviver com negros em discussões é importante para a sociedade. E os negros também precisam saber que essa possibilidade existe. Para combater o racismo é preciso sair da defensiva, também”.
Clique aqui para acessar a íntegra do livro
Texto: Francicarlos Diniz