Apesar de ser um problema muito
mais antigo, o mundo começa a discutir a fome no período pós-guerra,
quando entra em pauta, por um viés estritamente militar e de defesa
nacional, a segurança alimentar. A questão posta na época estava ligada à
capacidade dos países de produzir e manter estoques estratégicos. Não
há dúvidas de que a segurança alimentar e nutricional está intimamente
ligada à soberania dos países, mas numa perspectiva mais ampla, como se
deu no desenvolvimento do tema, considerando não só a manutenção de
estoques, mas, sobretudo, o acesso da população, em quantidade,
qualidade e regularidade suficientes para uma vida digna.
Parte-se do inequívoco pressuposto de que o direito à alimentação é
um direito fundador de todos os outros. Acesso à comida e à água potável
é condição material básica para garantir o direito à vida: alimentar o
corpo para que seja possível alimentar o espírito com sonhos e desejos
edificantes, de desenvolvimento pessoal e coletivo. Os governos precisam
preservar a autonomia para prover a alimentação de seus cidadãos,
inclusive com estoque estratégico para períodos de emergência, que
garanta acesso aos alimentos a toda população e atue como elemento
anti-cíclico de preços.
Em períodos como o que estamos vivendo no momento, com uma tendência
mundial de alta nos preços dos alimentos, o tema do direito à
alimentação impõe-se de maneira emergencial, visto que amplia os nossos
desafios. Principalmente porque a situação atinge sobretudo os mais
pobres. Para se ter uma idéia, no Brasil, enquanto os 20% mais pobres
gastam 34,5% de sua renda com alimentação, os 20% mais ricos gastam
10,7%. O percentual de comprometimento já esteve maior. Entre 2002 e
2003, os mais pobres gastavam 38% de sua renda com alimentação. Como já
disse Josué de Castro, a fome está intimamente ligada às distorções
econômicas. O tema, então, deve ultrapassar as discussões econômicas,
porque coloca em risco os esforços de combate à desigualdade e à
pobreza.
Para o Dia Mundial da Alimentação – 16 de outubro – temos uma ampla
agenda de discussões a partir dos desafios propostos. Acesso à
alimentação é questão de soberania nacional. É, portanto, assunto de
Estado. A propósito, temos também mais uma das evidências da
insuficiência do discurso neoliberal do Estado mínimo. A FAO estima que
aproximadamente 925 milhões de pessoas passem fome no mundo, uma
situação agravada pela crise do preço dos alimentos. O papel do Estado
mostra-se fundamental para promover o bem comum.
No Brasil, o esforço e a presença do Estado na consolidação de uma
Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional se traduz na
estratégia do Fome Zero, que implica na articulação governamental de
políticas voltadas para garantia do acesso à alimentação de qualidade,
sobretudo aos mais pobres. A atuação do Estado envolve ação integrada
ente União, Estados e Municípios, segundo definições de
responsabilidades de cada um e incluindo a participação da sociedade
civil a partir de definições claras e objetivas.
Esse trabalho exige apoio aos produtores – em especial os pequenos e
médios e os da agricultura familiar – ao mesmo tempo em que se implantam
mecanismos ágeis para que o alimento chegue ao consumidor com preço
adequado. Facilitar produção e consumo, combatendo a ação de
atravessadores e especuladores. A implantação do Sisan (Sistema Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional) com base nas diretrizes da Losan
(Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional) é um dos marcos
nesse trabalho do governo federal de promover o acesso aos alimentos,
que tem como um dos seus pilares o fortalecimento da Agricultura
Familiar por meio de políticas permanentes na área.
Ao mesmo tempo, tornam-se fundamentais as ações de educação alimentar
e de reforço dos equipamentos que facilitem o acesso aos alimentos em
áreas urbanas, como restaurantes populares, infra-estrutura física para
mercados e feiras populares, bancos de alimentos, cozinhas comunitárias,
como estamos fazendo.
Os tempos são difíceis, nossos desafios, complexos. Mas temos também
as chaves para responder à crise, o que nos torna otimistas. Estamos
vencendo nossa luta interna no país contra a fome, a desnutrição, a
pobreza e a desigualdade social. E criamos as condições objetivas para
que possamos ampliar nossos projetos até que a todos, sem exceção, sejam
dadas as mesmas oportunidades.
Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome