segunda-feira, 26 de março de 2018

Alimentação e soberania nacional

Apesar de ser um problema muito mais antigo, o mundo começa a discutir a fome no período pós-guerra, quando entra em pauta, por um viés estritamente militar e de defesa nacional, a segurança alimentar. A questão posta na época estava ligada à capacidade dos países de produzir e manter estoques estratégicos. Não há dúvidas de que a segurança alimentar e nutricional está intimamente ligada à soberania dos países, mas numa perspectiva mais ampla, como se deu no desenvolvimento do tema, considerando não só a manutenção de estoques, mas, sobretudo, o acesso da população, em quantidade, qualidade e regularidade suficientes para uma vida digna.
Parte-se do inequívoco pressuposto de que o direito à alimentação é um direito fundador de todos os outros. Acesso à comida e à água potável é condição material básica para garantir o direito à vida: alimentar o corpo para que seja possível alimentar o espírito com sonhos e desejos edificantes, de desenvolvimento pessoal e coletivo. Os governos precisam preservar a autonomia para prover a alimentação de seus cidadãos, inclusive com estoque estratégico para períodos de emergência, que garanta acesso aos alimentos a toda população e atue como elemento anti-cíclico de preços.
Em períodos como o que estamos vivendo no momento, com uma tendência mundial de alta nos preços dos alimentos, o tema do direito à alimentação impõe-se de maneira emergencial, visto que amplia os nossos desafios. Principalmente porque a situação atinge sobretudo os mais pobres. Para se ter uma idéia, no Brasil, enquanto os 20% mais pobres gastam 34,5% de sua renda com alimentação, os 20% mais ricos gastam 10,7%. O percentual de comprometimento já esteve maior. Entre 2002 e 2003, os mais pobres gastavam 38% de sua renda com alimentação. Como já disse Josué de Castro, a fome está intimamente ligada às distorções econômicas. O tema, então, deve ultrapassar as discussões econômicas, porque coloca em risco os esforços de combate à desigualdade e à pobreza.
Para o Dia Mundial da Alimentação – 16 de outubro – temos uma ampla agenda de discussões a partir dos desafios propostos. Acesso à alimentação é questão de soberania nacional. É, portanto, assunto de Estado. A propósito, temos também mais uma das evidências da insuficiência do discurso neoliberal do Estado mínimo. A FAO estima que aproximadamente 925 milhões de pessoas passem fome no mundo, uma situação agravada pela crise do preço dos alimentos. O papel do Estado mostra-se fundamental para promover o bem comum.
No Brasil, o esforço e a presença do Estado na consolidação de uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional se traduz na estratégia do Fome Zero, que implica na articulação governamental de políticas voltadas para garantia do acesso à alimentação de qualidade, sobretudo aos mais pobres. A atuação do Estado envolve ação integrada ente União, Estados e Municípios, segundo definições de responsabilidades de cada um e incluindo a participação da sociedade civil a partir de definições claras e objetivas.
Esse trabalho exige apoio aos produtores – em especial os pequenos e médios e os da agricultura familiar – ao mesmo tempo em que se implantam mecanismos ágeis para que o alimento chegue ao consumidor com preço adequado. Facilitar produção e consumo, combatendo a ação de atravessadores e especuladores. A implantação do Sisan (Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) com base nas diretrizes da Losan (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional) é um dos marcos nesse trabalho do governo federal de promover o acesso aos alimentos, que tem como um dos seus pilares o fortalecimento da Agricultura Familiar por meio de políticas permanentes na área.
Ao mesmo tempo, tornam-se fundamentais as ações de educação alimentar e de reforço dos equipamentos que facilitem o acesso aos alimentos em áreas urbanas, como restaurantes populares, infra-estrutura física para mercados e feiras populares, bancos de alimentos, cozinhas comunitárias, como estamos fazendo.
Os tempos são difíceis, nossos desafios, complexos. Mas temos também as chaves para responder à crise, o que nos torna otimistas. Estamos vencendo nossa luta interna no país contra a fome, a desnutrição, a pobreza e a desigualdade social. E criamos as condições objetivas para que possamos ampliar nossos projetos até que a todos, sem exceção, sejam dadas as mesmas oportunidades.
Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome