Agricultores de São José dos Pinhais visitam propriedade orgânica em Piraquara
Foi
uma quarta-feira ensolarada. Naquela tarde, um grupo de agricultores de
São José dos Pinhais (PR) — ainda adeptos do modelo convencional de
produção baseado no uso de agrotóxicos e fertilizantes
químicos — visitou a chácara orgânica do senhor Mário Seichi Nakui, em
Piraquara (PR). Objetivo da visita: demonstrar que outro modelo de
produção é possível.
A
propriedade de Mário e sua esposa, Elisa, é exemplo de sucesso e
eficiência no cultivo de alimentos agroecológicos. A história do casal é
longa: eles moraram por quase duas décadas no Japão. Lá, aprenderam
tudo sobre agricultura orgânica e, quando voltaram para o Brasil,
continuaram a exercer esse modo de produção que valoriza os
conhecimentos tradicionais e coexiste em harmonia com a natureza.
Na
chácara da família Nakui, chama a atenção a diversidade. “Temos aqui
mais de 60 espécies agrícolas, além da criação de animais como galinha,
ganso, cabra e peixe”, diz o senhor Mário. “Em termos de comércio,
nossos principais produtos são rúcula, alface, agrião, tomate e
morango.”
Todos
caminharam pela chácara e, ao longo da tarde, puderam observar que o
sistema orgânico pode ser, de fato, uma opção viável e rentável para a
agricultura familiar.
A
propósito, o dia da visita foi marcado por uma curiosa coincidência.
Pois, na mesma data, a família Nakui recebeu os técnicos do Programa
Paranaense de Certificação de Produtos Orgânicos (PPCPO) e a
propriedade, já certificada pelo Instituto de Tecnologia do Paraná
(TECPAR) há 12 anos, teve sua certificação renovada. “Nem sempre é fácil
conseguir adequar uma propriedade rural à conformidade orgânica, mas o
resultado vale muito a pena”, garante o senhor Nakui. Ele se refere à
boa saúde da própria família; ao excelente nível de equilíbrio biológico
atingido na propriedade; e, é claro, ao preços mais vantajosos que o
mercado paga pelos produtos orgânicos.
Já
no caminho de volta para casa, a equipe aproveitou para visitar a
chácara da senhora Halina Haruko, também localizada em Piraquara. Ela
tem se destacado na produção de morangos orgânicos em sistema
elevado — com uma engenhosa estrutura de concreto que chamou a atenção
dos visitantes. Hoje, a produção de morangos da senhora Halina é parada
obrigatória para os frequentes visitantes que aparecem por conta do
movimentado circuito turístico da região.
Troca de saberes
Muitos
produtores rurais ainda são reticentes — ou mesmo céticos — quando o
assunto é produção orgânica ou agroecológica. O motivo, em geral, é o
mero desconhecimento. Mas os números são incontroversos: no Brasil e no
mundo, o mercado para a agricultura de base ecológica só tende a
crescer. “Hoje, percebemos muito claramente que a demanda por alimentos
orgânicos está cada vez maior aqui em nossa região”, conta a senhora
Elisa.
Sensibilizar
cada vez mais agricultores para essa nova realidade foi um dos
objetivos da visita da última quarta-feira. O evento foi organizado pelo
Centro Paranaense de Referência em Agroecologia (CPRA) em parceria com a
Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) para mostrar aos produtores
de São José dos Pinhais como funciona a agroecologia na prática.
Atualmente,
agricultores da região da bacia do rio Miringuava, em São José dos
Pinhais, enfrentam uma situação bastante complexa. Lá, a Sanepar está
prestes a inundar parte da área — devido à construção de mais uma
barragem projetada para aprimorar o abastecimento hídrico de Curitiba e
arredores. Essa nova configuração territorial demandará maior cuidado
com a agricultura praticada na região. Para a Sanepar, tratar uma água
possivelmente contaminada por agrotóxicos seria um processo bastante
caro e complexo. E, para a população, consumir essa água envolveria
muitos riscos de saúde.
É
por isso que a Sanepar tem todo o interesse em incentivar a
agroecologia em São José dos Pinhais. Afinal, as práticas da agricultura
de base ecológica não são prejudiciais aos ecossistemas e, ainda, podem
ser importantes ferramentas para a preservação dos recursos hídricos.
“Portanto, em um cenário ideal, gostaríamos de transformar toda a região
da bacia do rio Miringuava num polo de produção orgânica ou
agroecológica”, afirma a bióloga e gestora socioambiental Daisy Maia, da
Sanepar.
Segundo
ela, a região tem grande potencial para isso. “Mas, antes de qualquer
coisa, é preciso que o produtor rural tenha vontade de participar dessa
transição”, pondera Daisy. “Essa é a parte mais difícil.”
A
conversão orgânica não é um processo tão simples: requer tempo, boa
assistência técnica e investimentos. Mas, segundo Daisy, a própria
Sanepar está disposta a auxiliar nesse processo — e oferecer condições
vantajosas aos agricultores que optem pela conversão dos sistemas
convencionais em orgânicos.
Desconfiados,
muitos agricultores da região tendem a ser refratários à ideia. “Meu
primo começou a produzir orgânicos no Miringuava e mal consegue vender
sua produção”, disse uma das agricultoras durante a visita à Chácara
Nakui. Entretanto, a história contada pelo senhor José Rosa é bem
diferente. Ele, que também é agricultor agroecológico e mantém um
propriedade orgânica em São José dos Pinhais, conta que mercado não é
problema. “Eu mesmo entrego quase 150 cestas de produtos orgânicos toda
semana aqui na região”, contabiliza. “E a procura só vem aumentando.”
Segundo
o engenheiro agrônomo Márcio Miranda, diretor-adjunto do CPRA, é
natural que os agricultores da região tenham certa resistência a uma
realidade nova. “Mas essa resistência acaba fazendo com que muitos não
enxerguem a grande oportunidade que a produção orgânica pode trazer para
a bacia do Miringuava”, diz. “O CPRA está empenhado em colaborar na
capacitação em agroecologia daqueles que estiverem dispostos a iniciar o
processo de transição”.
Henrique Kugler