A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde,
divulgou hoje (7) nota em que reafirma sua posição contrária à aprovação
do Projeto de Lei 6.299/02 e de outros 27 apensados – que compõem o
chamado “Pacote do Veneno”. Os projetos foram analisados por uma
comissão especial, cujo substitutivo do deputado da bancada ruralista
Luiz Nishimori (PR-PR), totalmente favorável, será votado nesta
terça-feira.
Para a Fiocruz, que por meio de suas pesquisas demonstra os impactos
dos agrotóxicos à saúde, o pacote altera em profundidade a atual
legislação do setor (lei 7.802/1989), negligenciando a promoção da saúde
e a proteção da vida ao facilitar o registro e reavaliação desses
produtos no Brasil. E significa um retrocesso que põe em risco toda a
população.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), o Conselho Nacional
de Saúde (CNS), o Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde
do Trabalhador do Ministério da Saúde e a 4ª Câmara de Meio Ambiente e
Patrimônio Público do Ministério Público Federal (MPF) também se
manifestaram contra a aprovação.
O pacote atende aos interesses dos fabricantes de agrotóxicos e
sementes transgênicas, que financiam integrantes da bancada ruralista.
Confira a íntegra da nota da Fiocruz:
Nota pública contra a flexibilização da legislação de agrotóxicos
A expansão das commodities agrícolas impulsionou o mercado de
agrotóxicos no Brasil, que hoje configura-se como um dos maiores
consumidores de agrotóxicos do mundo. O uso desses biocidas representa
um grave problema de saúde pública devido tanto à toxicidade dos
produtos quanto às enormes vulnerabilidades socioambientais e
político-institucionais que o país enfrenta.
As recentes mudanças na conjuntura política no país impuseram uma
série de medidas na seguridade social, observadas principalmente a
partir das perdas de direitos presentes na reforma trabalhista realizada
sem um amplo debate junto à sociedade brasileira e também pela ameaça
de uma reforma previdenciária, realizadas para atender aos interesses do
grande capital. É neste bojo que se coloca a retomada da pauta das
mudanças no marco legal de registro de agrotóxicos no país, cujas
alterações propostas foram agrupadas em um conjunto de projetos de lei
denominado “Pacote do Veneno”, capitaneado pelo agronegócio e que busca
flexibilizar o registro de agrotóxicos ao alterar em profundidade a lei
7.802/1989, negligenciado a promoção da saúde e proteção da vida.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem como missão institucional
promover a saúde e o desenvolvimento social, gerar e difundir
conhecimento científico e tecnológico e ser um agente de cidadania,
sendo pautada pelo compromisso ético de produção de uma ciência crítica e
engajada em defesa da saúde e do ambiente. Historicamente, a
instituição vem produzindo pesquisas que evidenciam os danos
relacionados ao uso dos agrotóxicos para a saúde, o ambiente e a
sociedade, demonstrando claramente seus impactos. Do mesmo modo, a
Fiocruz tem divulgado notas públicas evidenciando estes impactos e
alertando para o risco do uso de agrotóxicos. Assim, a Fiocruz não pode
se eximir de posicionar-se publicamente diante de situações que
representem a negação de seu compromisso ético e institucional, e mesmo
do própria conhecimento científico.
Nesse contexto, a Fiocruz se coloca contrária ao Projeto de Lei
6.299/2002, com votação prevista para 8 de maio de 2018 no Congresso
Nacional e que, se aprovado, irá fragilizar o registro e reavaliação de
agrotóxicos no país, que hoje tem uma das leis mais avançadas no mundo
no que se refere à proteção do ambiente e da saúde humana.
As principais mudanças propostas incluem:
• A mudança do nome “agrotóxicos” pelas expressões “defensivo
fitossanitário” e “produtos de controle ambiental” em uma estratégia que
oculta as situações de risco ao comunicar uma falsa segurança desses
produtos químicos;
• A centralização do poder decisório sobre a regulação dos
agrotóxicos no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa). De acordo com as alterações propostas, caberá ao
Mapa a análise toxicológica e ecotoxicológica para a aprovação de
registro de produtos, hoje atribuições da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Também caberá ao órgão o
estabelecimento de diretrizes para reduzir os impactos dos agrotóxicos
sobre o ambiente e a saúde humana, dentre outras funções. Com as
mudanças estes órgãos passarão a ter papel meramente consultivo, em uma
estratégia que suprime a atuação reguladora do Estado ao deixar decisões
que deveriam ser técnicas nas mãos do mercado;
• A inserção da análise de risco, permitindo que produtos que
hoje têm o registro proibido em função do perigo que representam – como
aqueles que causam câncer, mutações, desregulações endócrinas e
más-formações congênitas – passem a ter o registro permitido se o risco
for considerado “aceitável”, banalizando o risco.
As alterações propostas representam um retrocesso que põe em
risco a população, em especial grupos populacionais vulnerabilizados
como mulheres grávidas, crianças e os trabalhadores envolvidos em
atividades produtivas que dependem da produção ou uso desses biocidas.
Somando-se a isso o cenário de enormes vulnerabilidades sociais e
institucionais existentes na maioria dos territórios onde há uso de
agrotóxicos, que interferem diretamente na ocorrência dos casos de
intoxicação, tem-se uma situação verdadeiramente preocupante, e que pode
ter repercussões graves e irreversíveis para gerações atuais e futuras,
com custos de curto, médio e longo prazo.
A regulação de agrotóxicos não pode ser tratada de forma
simplista, com a proposição de mudanças voltadas para atender aos
interesses do mercado. A falsa justificativa de que é preciso “dar
celeridade aos processos de registro” trata as avaliações hoje
conduzidas como burocracias desnecessárias que representam entraves à
economia, sendo esse um entendimento equivocado e perigoso que pode
trazer prejuízos incomensuráveis para a saúde, o ambiente e a sociedade.
Ao invés de resolver a precarização técnica e humana da estrutura
reguladora, propõem sua desregulação. É preciso que haja rigor no
processo de avaliação e que sejam ofertados aos órgãos competentes, tais
como a Anvisa e o Ibama, condições adequadas de trabalho – materiais e
pessoais – para que o processo de avaliação e registro de agrotóxicos
possa ser conduzido com todo o rigor necessário para a proteção da vida e
a defesa de um ambiente equilibrado.
A Fiocruz reafirma seu compromisso de defender o ambiente e a
saúde, compreendendo que os interesses econômicos jamais podem se
sobrepor aos de defesa da vida.